sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"Avatar" de James Cameron - Primeiras Impressões

Depois de 4 anos de um longo processo de produção foram finalmente divulgadas as primeiras imagens de "Avatar", o novo filme de James Cameron que tem estreia marcada para 17 de Dezembro em Portugal. Para além da trailer, já disponível online, o realizador preparou uma montagem de sequências do filme, com cerca de 20 minutos de duração, que permitiu a alguns felizardos (este autor incluido) antever, na glória visual do 3D, o aspecto final da obra. Os detalhes conhecidos da história são escassos: Jake Sully, um marine paraplégico, é seleccionado para fazer parte do programa Avatar, que lhe permitirá incorporar um Na'vi. Estes organismos alienígenas habitam o planeta Pandora, para onde Jake é transportado e onde ficará a conhecer de perto a cultura e costumes daquela raça. A exploração cada vez mais intensa dos recursos de Pandora por parte dos humanos leva a que a sobrevivência dos Na'vi seja posta em causa, iniciando um conflito no qual Jake terá que escolher uma facção.


A preview exclusiva que ocorreu hoje em várias salas de todo o mundo, incluindo 4 em Lisboa e no Porto, inicia-se com uma breve introdução de James Cameron, que indica que as sequências apresentadas são retiradas da primeira parte do filme, de forma a preservar a integridade (e surpresas) da narrativa. No primeiro bloco de imagens assiste-se a um breve discurso do comandante das forças militares terrestres, lançando a temática de um conflito latente entre os humanos e os Na'vi, altura em que surge Jake Sully. No bloco de imagens seguinte vemos o protagonista a entrar na máquina que permitirá que a sua personalidade possa ser trasnferida para um corpo alienígena pré-preparado. Na interessante sequência seguinte, podemos ver a adaptação de Sully ao seu novo e gigante corpo, mas também ao seu fascínio por poder voltar a caminhar. As cenas seguintes são já ambientadas em Pandora, planeta de luxuriante flora e perigosa fauna. Surge uma sequência em que Neytiri, a protagonista feminina do filme, revela a sua aptidão agressiva e guerreira ao salvar Sully de um ataque de animais. Digna de menção é ainda a última sequência em que Sully, integrando-se entre o povo Na'vi, aprende a domar um ser alado que lhe permitirá deslocar-se pelo ar.


A atmosfera de antecipação gerada pela comunidade cinéfila em redor de "Avatar" é enorme, facto plenamente justificado pela obra anterior de James Cameron. "Terminator", "Aliens", "The Abyss" e "Terminator 2 - Judgement Day" atribuem-lhe o justo pergaminho de mestre da ficção científica cinematográfica, colocando-o, nesse âmbito, a par de realizadores como Stanley Kubrick, Steven Spielberg ou Ridley Scott. A este epíteto junta-se toda a panóplia tecnológica criada propositadamente para que este filme fosse possível, tornando-o num projecto profundamente ambicioso e que contribuiu efectivamente para moldar a forma como se poderá fazer cinema no futuro (nada a que o realizador canadiano já não nos tenha habituado). Atento às evoluções ocorridas no género da ficção científica nos últimos anos, em que a hard sci-fi de espaçonaves e andróides tem dado lugar a uma fusão ou subversão quase total aos elementos temáticos da fantasia, Cameron revela também essa tendência em "Avatar", como é certamente notório na concepção dos Na'vi (aspecto físico, importação de elementos étnicos e integração cultural com a natureza) e das restantes criaturas que habitam o planeta Pandora.


Sendo verdade que 20 minutos de filme são muito pouco para que se possa formar uma ideia concreta sobre o aspecto narrativo, permitem-nos contudo tirar algumas ilações acerca da real dimensão da inovação visual que o mesmo acarreta. Podemos afirmar que a estética é magistral e, só por si, fará qualquer um ir ao cinema para ver o espectáculo óptico, amplificado pela aplicação da tecnologia 3D. A evolução no campo das expressões faciais é enorme em relação a esforços CGI anteriores, particularmente notória nos movimentos das bocas das personagens. O trabalho efectuado nos cenários é magnífico, mesclando a familiaridade das formas terrestres com elementos geológicos, vegetais e animais que tornam Pandora numa paisagem única. O showcase que nos foi dado a ver permite, essencialmente, apreciar o trabalho visual que possui, indubitavalmente, uma qualidade excepcional se bem que não totalmente original.


A propósito, o factor originalidade torna-se cada vez mais difícil de atingir face à profusão de filmes que recorrem aos efeitos visuais digitais, universo criativo ao qual se têm juntado os videojogos. Ao verem "Avatar", muitos gamers irão certamente sorrir ao verem elementos que recordam alguns jogos de êxito lançados na última década. Outro aspecto relevante, porque poderá criar alguma dose de desilusão, está relacionado com a eterna promessa do realismo do trabalho de CGI. "Avatar" atinge um grau elevadissimo de qualidade sendo, em alguns aspectos, o melhor jamais produzido, mas a colagem ao real termina quando se envereda na criação de um universo físico e orgânico totalmente novo, para o qual não temos pontos de comparação na nossa memória. Talvez por isso sintamos que os efeitos visuais são fantásticos, mas não suficientemente bons para que nos esquecermos que se trata dum trabalho criado em computador. Essa fronteira permanece para já e pelo que nos foi dado a ver, intransposta.

No final fica apenas a promessa renovada de que "Avatar" será o filme mais relevante de 2009 e que estaremos prontos e expectantes para, em Dezembro, ver o aspecto final do novo épico de James Cameron.


sábado, 1 de agosto de 2009

Os melhores filmes "Forteanos"

Depois de um longo hiato o "Fila C" volta à vida com uma lista de filmes dedicados ao lado mais bizarro e inesperado da existência humana. Charles Fort foi um autor norte-americano que, entre o final do século XIX e início do século XX, se dedicou à recolha de relatos de acontecimentos estranhos e inexplicáveis. Durante anos revolveu livros e jornais em diversas bibliotecas, compilando uma colecção única de eventos que vão do curioso ao totalmente sobrenatural. O seu estilo de escrita vivo, pontuado por um humor inteligente, tornaram-no numa referência incontornável no estudo do oculto e do paranormal. Chuvas de peixes e sapos, poltergeists, desaparecimentos súbitos, explosões inexplicáveis e animais desconhecidos são apenas alguns dos elementos que surgem mencionados nos seus livros. O termo "Forteano" acabaria por ser usado, em homenagem a Charles Fort, abarcando todo o conjunto das fenomenologias sobrenaturais e paranormais.
O cinema, nos seus mais diversos géneros, possui diversos exemplos que ilustram, por vezes de forma surpreendentemente minuciosa, alguns dos fenómenos a que Fort se dedicou tão avidamente. Os filmes que se seguem serão talvez os que melhor representam esse interesse da sétima arte pelo bizarro e obscuro, numa escolha que leva em linha de conta, como sempre, os devidos critérios de qualidade artística.
- "Os Pássaros" ("The Birds", 1963): Alfred Hitchcock, por mérito próprio, recebeu o epíteto de mestre do suspense. A sua grande capacidade para gerir milimetricamente os conflitos entre as personagens dos seus filmes, revelando gota a gota as suas motivações, amplificava a tensão até limites quase insuportáveis. "Os Pássaros" surge como uma obra única na carreira do realizador britânico na qual o suspense não reside em traições ou crimes cometidos por humanos, passíveis de explicação à luz dos seus perfis psicológicos, mas no terror causado por incompreensíveis ataques organizados de pássaros numa pequena localidade costeira da Califórnia. Partindo de uma fina teia de relações humanas, pautada por um romance em desenvolvimento entre os protagonistas, Hitchcock põe-nos na companhia de pessoas comuns para com eles partilharmos a verdadeira dimensão do absurdo e do horror que se precipita quando somos confrontados com eventos inexplicáveis. Tudo culmina num enigmático e elíptico final, que acentua a dimensão apocalíptica deste clássico imortal do cinema.
- "Donnie Darko" ("Donnie Darko", 2001): O surpreendente filme de estreia do realizador Richard Kelly tornou-se, imediatamente, num objecto de culto. A subversão que faz do género teen movie é magistral, incorporando elementos de ficção cientifica e terror que criam um sentimento de profunda apreensão no espectador. No centro da acção, que se desenrola nos anos 80, está um aluno de liceu que é acometido por estranhas visões proféticas, nas quais um coelho gigante o leva a cometer actos aparentemente incongruentes. O retrato perfeito do desfasamento da juventude na era Reagan é sublinhado pelo tom ameaçador dos elementos paranormais da narrativa que fazem de "Donnie Darko" uma das obras mais marcantes da cinematografia do século XXI.
- "A Última Vaga" ("The Last Wave", 1977): Numa década que assistiu ao aparecimento de um grupo de brilhantes cineastas Australianos (conhecida como a Nova Vaga Australiana), a obra de Peter Weir surge como a mais proeminente e, diga-se, mais perene face à passagem dos anos. Este "A Última Vaga" destila todos os elementos que tornaram o seu autor num artista maior da cinematografia mundial: a originalidade visual e sonora, a incorporação de elementos míticos do passado distante no quotidiano presente e as consequências desse choque anacrónico. A história surreal de um advogado, que aceita defender um grupo de cinco aborígenes que são acusados de homicídio, é pontuada por acontecimentos e visões inexplicáveis que fazem acumular a tensão e a inevitabilidade da catástrofe que se anuncia.
- "A Profecia das Sombras" ("The Mothman Prophecies", 2002): Baseando-se no livro homónimo do recentemente falecido John Keel, este filme é um exercício excepcional de terror psicológico onde somos lentamente envolvidos numa trama de estranhos acontecimentos. Um jornalista vai parar acidentalmente a uma pequena cidade do Ohio, onde os habitantes têm sido atemorizados por aparições de uma criatura alada que profetiza tragédias vindouras. A investigação destes eventos torna-se numa obsessão para o protagonista, que acaba também ele por ser testemunha de contactos bizarros e visões inexplicáveis. O trabalho do realizador Mark Pellington é plasticamente muito bem sucedido, obtendo forte sustentação numa montagem de som eficaz e numa banda sonora ímpar dos Tomandandy.
- "2001: Uma Odisseia no Espaço" ("2001: A Space Odyssey, 1968): O magnum opus de Stanley Kubrick é um marco incontornável na história da arte mundial, uma reflexão intensa sobre a origem e sentido da vida Humana. Este é o derradeiro filme-mistério, uma realização audiovisual tão colossal que escapa a qualquer tentativa de explicação definitiva do seu significado. Foi assim que Kubrick quis que fosse, contando para isso com a colaboração de algumas das melhores mentes nas mais diversas áreas da arte, ciência e tecnologia, destacando-se entre todos o génio de Arthur C. Clarke. A relação do Homem com o Universo, o seu passado e futuro são temas transcendentais plasmados em "2001: Uma Odisseia no Espaço" e que o tornam num acontecimento cinematográfico e filosófico. Também por isso é um filme "Forteano", porque expressa a surpresa do ser humano face aos enigmas da sua existência e do que o rodeia sem preocupações em dar respostas simplistas que fechem a narrativa.
- "Piquenique em Hanging Rock" ("Picnic at Hanging Rock", 1975): O segundo filme de Peter Weir a surgir nesta lista foi, na verdade, o primeiro a dar-lhe projecção internacional. Na Austrália Vitoriana de 1900, as estudantes dum colégio de raparigas deslocam-se ao campo para fazer um piquenique no dia de S. Valentim. Quatro delas, acompanhadas de uma professora, decidem explorar uma magnífica formação rochosa que marca a paisagem circundante. Apenas uma volta para junto do grupo e são organizadas buscas para encontrar as desaparecidas, que resultam num total insucesso. Este evento lança ondas de choque irreversíveis sobre a comunidade local e, especialmente, sobre o mundo fechado do colégio feminino. Weir consegue espelhar de forma belissima os sentimentos de frustração face a um evento inexplicável e a consequente obsessão pela descoberta da verdade. "Piquenique em Hanging Rock" é uma metáfora genial tecida sobre os conflitos interiores (transição da infância para a idade adulta) e exteriores das personagens (o desejo de liberdade coarctado pelo poder da directora do colégio), mas também sobre as dicotomias existentes entre uma cultura cristã fortemente britanizada e a paisagem física enigmática da Austrália, profundamente marcada pela cultural milenar dos aborígenes.
- "Aquele Inverno em Veneza" ("Don't Look Now", 1973): Pouco conhecido nos dias de hoje, Nicolas Roeg foi um nome sonante durante os anos 70, apresentando-se com um estilo de realização e, particularmente, de montagem profundamente inovadores. "Aquele Inverno em Veneza" foi apenas o seu segundo filme como realizador, mas confirmou a sua capacidade para criar filmes visualmente complexos e desafiantes. Depois da trágica morte da sua filha, um casal inglês muda-se para Veneza na esperança de conseguir recomeçar a sua vida. O encontro casual com uma vidente cega, que afirma conseguir contactar com o espírito da sua filha, acompanhado de estranhas visões de uma criança nas quelhas labirínticas da cidade Italiana, lançam-nos numa espiral de incerteza e terror. Roeg cria habilmente uma atmosfera densa e carregada de elementos sobrenaturais que, degrau a degrau, nos transporta para o universo perturbado e perturbador de um casal afectado por uma perda irreparável.
- "O Protegido" ("Unbreakable", 2000): Um combóio descarrila a alta velocidade com 132 passageiros a bordo. O violento acidente tem apenas um sobrevivente, um homem que, miraculosamente, não tem qualquer ferimento. Partindo de uma premissa enganadoramente simples, M. Night Shyamalan materializa uma história enigmática e apaixonante naquele que é, provavelmente, o seu melhor filme até à data. A busca incessante do protagonista por uma explicação para a sua aparente invulnerabilidade leva-o a encontrar alguém que, pela sua enorme fragilidade física (sofre de osteogenesis imperfecta, doença que torna os ossos extremamente quebradiços) e que parece estar no outro extremo do espectro da resistência física humana. Shyamalan adicionou ao argumento, que ele próprio escreveu, elementos do corpus mitológico da banda desenhada, engrossando uma narrativa cativante ao serviço da qual está uma realização milimetricamente controlada para revelar apenas o necessário, preparando o terreno para um final surpreendente. Realce-se também, com a devida justiça, o trabalho de direcção de fotografia do nosso Eduardo Serra e a sublime banda sonora do inevitável James Newton Howard.
- "Terror no Afeganistão" ("The Objective", 2008): Não se assustem com o ridículo título português dado a este interessante trabalho de Daniel Myrick, mais conhecido como co-realizador de "O Projecto Blair Witch", que surge como uma agradável surpresa numa carreira pautada por projectos de baixo orçamento, mas com algumas ideias deveras originais. Um agente a CIA é destacado, em conjunto com um pequeno pelotão de soldados, para investigar um local remoto no Afeganistão onde os satélites espiões norte-americanos detectaram o que parece ser um grande depósito de material radioactivo. Percorrendo o difícil caminho através da aridez montanhosa, a equipa descobre que o seu destino fica em território sagrado para os Afegãos, mas os avisos de perigo não afectam o sentido de missão da equipa. Cedo descobrem que forças sobrenaturais exercem a sua influência sobre área desde há milhares de anos e, por vezes, o caminho para a verdade e a iluminação pode também levar à morte. Myrick oferece-nos uma pequena pérola do cinema de terror, um filme engenhoso e inteligente que nos desperta a curiosidade para os seus futuros projectos.