sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Blade Runner - 25 anos depois

Depois de décadas de versões diversas em VHS, Laserdisc e DVD de "Blade Runner", chega finalmente a edição definitiva deste clássico da ficção-científica. Foi um difícil percurso com um quarto de século que culmina agora numa gloriosa celebração para uma obra-prima nem sempre consensual, mas cuja influência artística e social não pode ser negada.
Fruto de um processo de produção tortuoso, marcado por conflitos entre o realizador Ridley Scott e os financiadores, mas também por atritos com os próprios actores e equipa técnica (ficaram famosas as discussões com o protagonista Harrison Ford), "Blade Runner" acabou por ser lançado nos cinemas numa versão profundamente alterada em relação às pretensões dos seus criadores. Depois de um test screening onde os espectadores pareceram ficar confusos com o que viram os produtores, numa tentativa de clarificar a narrativa, ordenaram a inclusão de segmentos de voice over exageradamente explicativos, para além de um final feliz forçado. Lançado nos cinemas norte-americanos no Verão de 1982, o filme foi esmagado pela crítica e o público, ainda imbuído no espírito caloroso e familiar do recém-lançado "E.T. O Extraterrestre", acabou por ignorá-lo.
Nos anos que se seguiram o florescente mercado de VHS viria a ressuscitar "Blade Runner", convertendo-o naquele que será, muito provalvelmente, o primeiro filme de culto. Entre fanzines criados por apaixonados seguidores e as extensas discussões que se seguiriam na ainda jovem internet, nascia um fenómeno à escala mundial onde todos tinham interpretações diversas para os inúmeros elementos narrativos e estéticos da obra. Tudo culminaria, numa primeira fase, no relançamento do filme numa versão Director's Cut - esta denominação é um pouco abusiva já que Ridley Scott apenas permitiu que o filme fosse remontado segundo as suas instruções, sem contar contudo com o seu empenho directo e pessoal - onde para além da remoção da já referida voice over e do inane happy ending, foi acrescentada a já mítica visão de um unicórnio por parte da personagem central Rick Deckard, que reabriu a discussão sobre se ele seria um humano ou um replicant.
Volvidos então 25 anos, após longas negociações para que a Warner Home Video pudesse voltar a deter os direitos de comercialização do filme, surge agora a versão final assinada pelo realizador britânico (denominada Final Cut), onde revertem todos os elementos cuja inclusão estava inicialmente prevista. Para englobar este momento único para todos os fãs (onde orgulhosalmente me incluo) foram criadas nada menos que três edições distintas, que vão da mais simples com 2 DVD, passando por uma intermédia com 4 discos e a mais desejada com 5 DVD, que inclui por seu turno cinco versões do filme.




Trailer do extenso documentário "Dangerous Days" que reflecte
sobre todo o processo de produção do filme e que marcará presença
nesta nova edição, ocupando todo o segundo DVD.

Sem entrar em demasiados pormenores sobre cada uma das edições fixemo-nos apenas na mais completa. No primeiro DVD teremos o Final Cut do filme, acompanhado de diversos comentários áudio gravados por Ridley Scott, Hampton Fancher e David Peoples (argumentistas), Syd Mead (responsável de forma fulcral por todo o design visual) e Douglas Trumbull (genial técnico dos efeitos visuais) entre outros. No segundo disco teremos um documentário de 3 horas e meia, intitulado "Dangerous Days" (ver trailer acima), com a participação de mais de 80 intervenientes directos e indirectos na produção de "Blade Runner" e na interpretação de todo o fenómeno cultural que o sucedeu. O terceiro DVD contém três versões distintas do filme, a montagem original norte-americana (1982), a versão internacional (1982) que inclui algumas breves sequências de acção e violência não mostradas nos cinemas dos EUA e ainda o já famoso Director's Cut (1992), que lança a controvérsia sobre a real natureza de Rick Deckard. Para o quarto DVD a Warner Home Video seleccionou um conjunto de pequenas featurettes da época com entrevistas e sequências cortadas nunca antes vistas, destacando-se uma série de conversas com Philip K. Dick (autor do romance "Do Androids Dream of Electric Sheep" que esteve na origem do filme) e as galerias com esboços usados na concepção cénica. O quinto e último disco, um bónus apenas para aqueles que adquirirem a edição mais completa, traz-nos a Workprint de "Blade Runner" (numa tradução literal será a "versão de trabalho" utilizada geralmente para as primeiras sessões públicas ou test screenings dos filmes) que se apresenta como a mais radicalmente diferente jamais vista, incluindo uma nova sequência de abertura, uma banda sonora alternativa e diálogos não utilizados nas montagens posteriores. Certamente uma relíquia a ver e preservar por todos os seguidores do filme, mas também uma excepcional oportunidade para revelar este momento magistral de cinema a toda uma geração que só lhe terá conhecido os "herdeiros", toda uma panóplia de obras que beberam inspiração neste monumento criativo.

1 comentário:

Dieubussy disse...

Gostei especialmente da menção à possibilidade de que pode ter sido este o filme que criou o estatuto de filme-de-culto, hoje utilizado vezes sem conta. Dificilmente nos apercebemos de que é um conceito relativamente recente nas lides do cinema.

Poucos filmes terão gerado q quantidade de literatura, especulação e discussões que Blade Runner gerou, isso é um facto incontornável. E até que ponto não será este filme também um 'prison movie', na medida em que estes personagens estão presos à vida mediocre a ao lugar sombrio onde vivem, iludidos constantemente pela ideia publicitada de uma fuga(Off-World Colonies)?

Prevejo uma corrida à edição completa, objecto também ele destinado a ser de culto.