sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"Avatar" de James Cameron - Primeiras Impressões

Depois de 4 anos de um longo processo de produção foram finalmente divulgadas as primeiras imagens de "Avatar", o novo filme de James Cameron que tem estreia marcada para 17 de Dezembro em Portugal. Para além da trailer, já disponível online, o realizador preparou uma montagem de sequências do filme, com cerca de 20 minutos de duração, que permitiu a alguns felizardos (este autor incluido) antever, na glória visual do 3D, o aspecto final da obra. Os detalhes conhecidos da história são escassos: Jake Sully, um marine paraplégico, é seleccionado para fazer parte do programa Avatar, que lhe permitirá incorporar um Na'vi. Estes organismos alienígenas habitam o planeta Pandora, para onde Jake é transportado e onde ficará a conhecer de perto a cultura e costumes daquela raça. A exploração cada vez mais intensa dos recursos de Pandora por parte dos humanos leva a que a sobrevivência dos Na'vi seja posta em causa, iniciando um conflito no qual Jake terá que escolher uma facção.


A preview exclusiva que ocorreu hoje em várias salas de todo o mundo, incluindo 4 em Lisboa e no Porto, inicia-se com uma breve introdução de James Cameron, que indica que as sequências apresentadas são retiradas da primeira parte do filme, de forma a preservar a integridade (e surpresas) da narrativa. No primeiro bloco de imagens assiste-se a um breve discurso do comandante das forças militares terrestres, lançando a temática de um conflito latente entre os humanos e os Na'vi, altura em que surge Jake Sully. No bloco de imagens seguinte vemos o protagonista a entrar na máquina que permitirá que a sua personalidade possa ser trasnferida para um corpo alienígena pré-preparado. Na interessante sequência seguinte, podemos ver a adaptação de Sully ao seu novo e gigante corpo, mas também ao seu fascínio por poder voltar a caminhar. As cenas seguintes são já ambientadas em Pandora, planeta de luxuriante flora e perigosa fauna. Surge uma sequência em que Neytiri, a protagonista feminina do filme, revela a sua aptidão agressiva e guerreira ao salvar Sully de um ataque de animais. Digna de menção é ainda a última sequência em que Sully, integrando-se entre o povo Na'vi, aprende a domar um ser alado que lhe permitirá deslocar-se pelo ar.


A atmosfera de antecipação gerada pela comunidade cinéfila em redor de "Avatar" é enorme, facto plenamente justificado pela obra anterior de James Cameron. "Terminator", "Aliens", "The Abyss" e "Terminator 2 - Judgement Day" atribuem-lhe o justo pergaminho de mestre da ficção científica cinematográfica, colocando-o, nesse âmbito, a par de realizadores como Stanley Kubrick, Steven Spielberg ou Ridley Scott. A este epíteto junta-se toda a panóplia tecnológica criada propositadamente para que este filme fosse possível, tornando-o num projecto profundamente ambicioso e que contribuiu efectivamente para moldar a forma como se poderá fazer cinema no futuro (nada a que o realizador canadiano já não nos tenha habituado). Atento às evoluções ocorridas no género da ficção científica nos últimos anos, em que a hard sci-fi de espaçonaves e andróides tem dado lugar a uma fusão ou subversão quase total aos elementos temáticos da fantasia, Cameron revela também essa tendência em "Avatar", como é certamente notório na concepção dos Na'vi (aspecto físico, importação de elementos étnicos e integração cultural com a natureza) e das restantes criaturas que habitam o planeta Pandora.


Sendo verdade que 20 minutos de filme são muito pouco para que se possa formar uma ideia concreta sobre o aspecto narrativo, permitem-nos contudo tirar algumas ilações acerca da real dimensão da inovação visual que o mesmo acarreta. Podemos afirmar que a estética é magistral e, só por si, fará qualquer um ir ao cinema para ver o espectáculo óptico, amplificado pela aplicação da tecnologia 3D. A evolução no campo das expressões faciais é enorme em relação a esforços CGI anteriores, particularmente notória nos movimentos das bocas das personagens. O trabalho efectuado nos cenários é magnífico, mesclando a familiaridade das formas terrestres com elementos geológicos, vegetais e animais que tornam Pandora numa paisagem única. O showcase que nos foi dado a ver permite, essencialmente, apreciar o trabalho visual que possui, indubitavalmente, uma qualidade excepcional se bem que não totalmente original.


A propósito, o factor originalidade torna-se cada vez mais difícil de atingir face à profusão de filmes que recorrem aos efeitos visuais digitais, universo criativo ao qual se têm juntado os videojogos. Ao verem "Avatar", muitos gamers irão certamente sorrir ao verem elementos que recordam alguns jogos de êxito lançados na última década. Outro aspecto relevante, porque poderá criar alguma dose de desilusão, está relacionado com a eterna promessa do realismo do trabalho de CGI. "Avatar" atinge um grau elevadissimo de qualidade sendo, em alguns aspectos, o melhor jamais produzido, mas a colagem ao real termina quando se envereda na criação de um universo físico e orgânico totalmente novo, para o qual não temos pontos de comparação na nossa memória. Talvez por isso sintamos que os efeitos visuais são fantásticos, mas não suficientemente bons para que nos esquecermos que se trata dum trabalho criado em computador. Essa fronteira permanece para já e pelo que nos foi dado a ver, intransposta.

No final fica apenas a promessa renovada de que "Avatar" será o filme mais relevante de 2009 e que estaremos prontos e expectantes para, em Dezembro, ver o aspecto final do novo épico de James Cameron.


sábado, 1 de agosto de 2009

Os melhores filmes "Forteanos"

Depois de um longo hiato o "Fila C" volta à vida com uma lista de filmes dedicados ao lado mais bizarro e inesperado da existência humana. Charles Fort foi um autor norte-americano que, entre o final do século XIX e início do século XX, se dedicou à recolha de relatos de acontecimentos estranhos e inexplicáveis. Durante anos revolveu livros e jornais em diversas bibliotecas, compilando uma colecção única de eventos que vão do curioso ao totalmente sobrenatural. O seu estilo de escrita vivo, pontuado por um humor inteligente, tornaram-no numa referência incontornável no estudo do oculto e do paranormal. Chuvas de peixes e sapos, poltergeists, desaparecimentos súbitos, explosões inexplicáveis e animais desconhecidos são apenas alguns dos elementos que surgem mencionados nos seus livros. O termo "Forteano" acabaria por ser usado, em homenagem a Charles Fort, abarcando todo o conjunto das fenomenologias sobrenaturais e paranormais.
O cinema, nos seus mais diversos géneros, possui diversos exemplos que ilustram, por vezes de forma surpreendentemente minuciosa, alguns dos fenómenos a que Fort se dedicou tão avidamente. Os filmes que se seguem serão talvez os que melhor representam esse interesse da sétima arte pelo bizarro e obscuro, numa escolha que leva em linha de conta, como sempre, os devidos critérios de qualidade artística.
- "Os Pássaros" ("The Birds", 1963): Alfred Hitchcock, por mérito próprio, recebeu o epíteto de mestre do suspense. A sua grande capacidade para gerir milimetricamente os conflitos entre as personagens dos seus filmes, revelando gota a gota as suas motivações, amplificava a tensão até limites quase insuportáveis. "Os Pássaros" surge como uma obra única na carreira do realizador britânico na qual o suspense não reside em traições ou crimes cometidos por humanos, passíveis de explicação à luz dos seus perfis psicológicos, mas no terror causado por incompreensíveis ataques organizados de pássaros numa pequena localidade costeira da Califórnia. Partindo de uma fina teia de relações humanas, pautada por um romance em desenvolvimento entre os protagonistas, Hitchcock põe-nos na companhia de pessoas comuns para com eles partilharmos a verdadeira dimensão do absurdo e do horror que se precipita quando somos confrontados com eventos inexplicáveis. Tudo culmina num enigmático e elíptico final, que acentua a dimensão apocalíptica deste clássico imortal do cinema.
- "Donnie Darko" ("Donnie Darko", 2001): O surpreendente filme de estreia do realizador Richard Kelly tornou-se, imediatamente, num objecto de culto. A subversão que faz do género teen movie é magistral, incorporando elementos de ficção cientifica e terror que criam um sentimento de profunda apreensão no espectador. No centro da acção, que se desenrola nos anos 80, está um aluno de liceu que é acometido por estranhas visões proféticas, nas quais um coelho gigante o leva a cometer actos aparentemente incongruentes. O retrato perfeito do desfasamento da juventude na era Reagan é sublinhado pelo tom ameaçador dos elementos paranormais da narrativa que fazem de "Donnie Darko" uma das obras mais marcantes da cinematografia do século XXI.
- "A Última Vaga" ("The Last Wave", 1977): Numa década que assistiu ao aparecimento de um grupo de brilhantes cineastas Australianos (conhecida como a Nova Vaga Australiana), a obra de Peter Weir surge como a mais proeminente e, diga-se, mais perene face à passagem dos anos. Este "A Última Vaga" destila todos os elementos que tornaram o seu autor num artista maior da cinematografia mundial: a originalidade visual e sonora, a incorporação de elementos míticos do passado distante no quotidiano presente e as consequências desse choque anacrónico. A história surreal de um advogado, que aceita defender um grupo de cinco aborígenes que são acusados de homicídio, é pontuada por acontecimentos e visões inexplicáveis que fazem acumular a tensão e a inevitabilidade da catástrofe que se anuncia.
- "A Profecia das Sombras" ("The Mothman Prophecies", 2002): Baseando-se no livro homónimo do recentemente falecido John Keel, este filme é um exercício excepcional de terror psicológico onde somos lentamente envolvidos numa trama de estranhos acontecimentos. Um jornalista vai parar acidentalmente a uma pequena cidade do Ohio, onde os habitantes têm sido atemorizados por aparições de uma criatura alada que profetiza tragédias vindouras. A investigação destes eventos torna-se numa obsessão para o protagonista, que acaba também ele por ser testemunha de contactos bizarros e visões inexplicáveis. O trabalho do realizador Mark Pellington é plasticamente muito bem sucedido, obtendo forte sustentação numa montagem de som eficaz e numa banda sonora ímpar dos Tomandandy.
- "2001: Uma Odisseia no Espaço" ("2001: A Space Odyssey, 1968): O magnum opus de Stanley Kubrick é um marco incontornável na história da arte mundial, uma reflexão intensa sobre a origem e sentido da vida Humana. Este é o derradeiro filme-mistério, uma realização audiovisual tão colossal que escapa a qualquer tentativa de explicação definitiva do seu significado. Foi assim que Kubrick quis que fosse, contando para isso com a colaboração de algumas das melhores mentes nas mais diversas áreas da arte, ciência e tecnologia, destacando-se entre todos o génio de Arthur C. Clarke. A relação do Homem com o Universo, o seu passado e futuro são temas transcendentais plasmados em "2001: Uma Odisseia no Espaço" e que o tornam num acontecimento cinematográfico e filosófico. Também por isso é um filme "Forteano", porque expressa a surpresa do ser humano face aos enigmas da sua existência e do que o rodeia sem preocupações em dar respostas simplistas que fechem a narrativa.
- "Piquenique em Hanging Rock" ("Picnic at Hanging Rock", 1975): O segundo filme de Peter Weir a surgir nesta lista foi, na verdade, o primeiro a dar-lhe projecção internacional. Na Austrália Vitoriana de 1900, as estudantes dum colégio de raparigas deslocam-se ao campo para fazer um piquenique no dia de S. Valentim. Quatro delas, acompanhadas de uma professora, decidem explorar uma magnífica formação rochosa que marca a paisagem circundante. Apenas uma volta para junto do grupo e são organizadas buscas para encontrar as desaparecidas, que resultam num total insucesso. Este evento lança ondas de choque irreversíveis sobre a comunidade local e, especialmente, sobre o mundo fechado do colégio feminino. Weir consegue espelhar de forma belissima os sentimentos de frustração face a um evento inexplicável e a consequente obsessão pela descoberta da verdade. "Piquenique em Hanging Rock" é uma metáfora genial tecida sobre os conflitos interiores (transição da infância para a idade adulta) e exteriores das personagens (o desejo de liberdade coarctado pelo poder da directora do colégio), mas também sobre as dicotomias existentes entre uma cultura cristã fortemente britanizada e a paisagem física enigmática da Austrália, profundamente marcada pela cultural milenar dos aborígenes.
- "Aquele Inverno em Veneza" ("Don't Look Now", 1973): Pouco conhecido nos dias de hoje, Nicolas Roeg foi um nome sonante durante os anos 70, apresentando-se com um estilo de realização e, particularmente, de montagem profundamente inovadores. "Aquele Inverno em Veneza" foi apenas o seu segundo filme como realizador, mas confirmou a sua capacidade para criar filmes visualmente complexos e desafiantes. Depois da trágica morte da sua filha, um casal inglês muda-se para Veneza na esperança de conseguir recomeçar a sua vida. O encontro casual com uma vidente cega, que afirma conseguir contactar com o espírito da sua filha, acompanhado de estranhas visões de uma criança nas quelhas labirínticas da cidade Italiana, lançam-nos numa espiral de incerteza e terror. Roeg cria habilmente uma atmosfera densa e carregada de elementos sobrenaturais que, degrau a degrau, nos transporta para o universo perturbado e perturbador de um casal afectado por uma perda irreparável.
- "O Protegido" ("Unbreakable", 2000): Um combóio descarrila a alta velocidade com 132 passageiros a bordo. O violento acidente tem apenas um sobrevivente, um homem que, miraculosamente, não tem qualquer ferimento. Partindo de uma premissa enganadoramente simples, M. Night Shyamalan materializa uma história enigmática e apaixonante naquele que é, provavelmente, o seu melhor filme até à data. A busca incessante do protagonista por uma explicação para a sua aparente invulnerabilidade leva-o a encontrar alguém que, pela sua enorme fragilidade física (sofre de osteogenesis imperfecta, doença que torna os ossos extremamente quebradiços) e que parece estar no outro extremo do espectro da resistência física humana. Shyamalan adicionou ao argumento, que ele próprio escreveu, elementos do corpus mitológico da banda desenhada, engrossando uma narrativa cativante ao serviço da qual está uma realização milimetricamente controlada para revelar apenas o necessário, preparando o terreno para um final surpreendente. Realce-se também, com a devida justiça, o trabalho de direcção de fotografia do nosso Eduardo Serra e a sublime banda sonora do inevitável James Newton Howard.
- "Terror no Afeganistão" ("The Objective", 2008): Não se assustem com o ridículo título português dado a este interessante trabalho de Daniel Myrick, mais conhecido como co-realizador de "O Projecto Blair Witch", que surge como uma agradável surpresa numa carreira pautada por projectos de baixo orçamento, mas com algumas ideias deveras originais. Um agente a CIA é destacado, em conjunto com um pequeno pelotão de soldados, para investigar um local remoto no Afeganistão onde os satélites espiões norte-americanos detectaram o que parece ser um grande depósito de material radioactivo. Percorrendo o difícil caminho através da aridez montanhosa, a equipa descobre que o seu destino fica em território sagrado para os Afegãos, mas os avisos de perigo não afectam o sentido de missão da equipa. Cedo descobrem que forças sobrenaturais exercem a sua influência sobre área desde há milhares de anos e, por vezes, o caminho para a verdade e a iluminação pode também levar à morte. Myrick oferece-nos uma pequena pérola do cinema de terror, um filme engenhoso e inteligente que nos desperta a curiosidade para os seus futuros projectos.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Até sempre!

Sidney Pollack

1934-2008

sábado, 24 de maio de 2008

Os mais aguardados de 2008

A época de Verão está prestes a chegar e com ela vêm os blockbusters que, este ano, prometem ser de qualidade elevada. Mais para o final do ano, estão também previstas estreias de primeira água. Fica aqui uma lista de filmes a seguir com atenção nos próximos meses.
- “The Happening”: Este é, sem dúvida, um dos acontecimentos cinematográficos do ano, marcando o regresso de M. Night Shyamalan à realização depois dos injustamente criticados (e pouco rentáveis) “The Village” e “Lady in the Water”. As imagens já divulgadas fazem antever um thriller intenso e violento, tecido em redor de uma catástrofe de origem incerta que leva as pessoas a suicidarem-se. Este pode ser um momento fulcral para a carreira de Shyamalan que, durante longos meses, travou uma dura luta para obter financiamento para produzir este filme.
- “The Dark Knight”: Aquele que é um dos grandes blockbusters deste Verão ganhou uma dimensão quase macabra depois da morte inesperada de Heath Ledger. A sua interpretação de Joker promete ser inesquecível, neste que foi o último filme que completou. O realizador Christopher Nolan conseguiu juntar um conjunto de actores verdadeiramente impressionante para continuar a sua interpretação das aventuras de Batman, renovando o género de cinema de super-heróis. Absolutamente imperdível.
- “Wall-E”: O cinema de animação em 3D tem sido um garante de sucesso para muitas produtoras, mas nenhuma o faz tão bem como a Pixar. Desta vez trazem-nos uma aventura interplanetária protagonizada por um simpático robô que ficou esquecido depois da humanidade ter abandonado a Terra. Este filme marca a segunda incursão de Andrew Stanton na realização a solo, depois do excelente ”À Procura de Nemo”.
- “The Escapist”: No seio de um ano carregado de mega-produções é importante chamar a atenção para projectos menores mas, nem por isso menos interessantes. Este thriller dramático ambientado numa prisão inglesa merece destaque, marcando a promissora estreia do britânico Rupert Wyatt na realização. O grande Brian Cox interpreta um condenado a prisão perpétua que giza um ambicioso plano de fuga para ver pela última vez a sua filha, que padece de uma doença terminal. Espera-se mais uma obra de referência no género dos “prison movies”.
- “Blindness”: Depois dum retrato impiedoso da realidade das favelas brasileiras de “Cidade de Deus” e dos complôs da indústria farmacêutica nesse thriller de referência que foi “O Fiel Jardineiro”, Fernando Meirelles arrisca adaptar a obra de José Saramago ao cinema. Caracterizada como infilmável, a obra “Ensaio sobre a Cegueira” serve de base a um drama intenso sobre uma cidade que é confrontada com um inexplicável surto de cegueira. Pelo que nos é dado a ver na trailer, Meirelles abordou o tema numa perspectiva de comentário social mesclado com elementos clássicos do filme-catástrofe.
- “The Curious Case of Benjamin Button”: Este filme marca o reencontro, pela terceira vez, de David Fincher com Brad Pitt, desta vez para uma adaptação de um conto de F. Scott Fitzgerald sobre um homem que nasce com 80 anos e vai rejuvenescendo ao longo da vida. Premissa para uma história fascinante, principalmente por que nos vai permitir ver Fincher a trabalhar num registo diferente, mesclando elementos de fantasia, comédia e romance. Cate Blanchett e a recentemente oscarizada Tilda Swinton são também cabeças de cartaz para este projecto de visionamento obrigatório.
- “Che”: Título provisório utilizado durante a apresentação no festival de Cannes (a versão final será dividida em dois filmes intitulados “The Argentine” e “Guerrilla”), esta realização do multifacetado Steven Soderbergh está já a gerar polémica devido ao ângulo de abordagem da vida de Ernesto “Che” Guevara. Alguns aplaudiram a recriação da personagem mítica, outros apuparam a “lavagem” das facetas pouco laudatórias do revolucionário argentino. Benicio Del Toro tem direito àquela que pode ser a interpretação da sua vida. Esperamos para ver quão à letra Soderbegh terá levado a máxima de John Ford “when the legend becomes fact, print the legend”.
- “Quantum of Solace”: Quem gostou da mudança radical que “Casino Royale” trouxe à personagem de James Bond estará certamente em pulgas para ver esta sequela. Daniel Craig regressa no papel do espião mais famoso de sempre enfrentando agora a obscura organização Quantum e os seus planos para derrubar um regime sul-americano, enquanto prossegue na busca de vingança pela morte de Vesper Lynd. Marc Forster, realizador de excelentes filmes como “Monster’s Ball” e “À Procura da Terra do Nunca”, foi o seleccionado para dirigir este vigésimo segundo capítulo da saga.
- “The Changeling”: Os anos passam e Clint Eastwood, agora dedicado exclusivamente à sua carreira na realização, continua a cimentar o seu estatuto como um dos últimos mestres do cinema clássico americano. Volta agora com um fascinante thriller ambientado na Los Angeles dos anos 20 e baseado na história verídica de uma mulher que suspeita que a criança, devolvida pela polícia depois de um rapto, não é verdadeiramente o seu filho. Angelina Jolie é a figura central desta obra que aparece como um dos mais fortes candidatos a vencer a Palma de Ouro em Cannes.
- “Body of Lies”: Ridley Scott traz-nos a sua visão sobre a guerra contra o terrorismo adaptando o best-seller homónimo de David Ignatius. Leonardo DiCaprio interpreta um agente da CIA que é enviado para a Jordânia para tentar capturar um perigoso terrorista. No papel do seu manipulativo chefe está Russell Crowe, que se tornou num dos actores fetiche do realizador britânico (este é já o quarto filme que fazem em conjunto).
- “X-Files: I Want to Believe”: Quando passam seis anos sobre a emissão do último episódio daquela que foi uma das mais populares séries de TV de sempre, Chris Carter decidiu ressuscitar os icónicos Fox Mulder e Dana Scully para uma nova incursão nas salas de cinema. Pouco se sabe sobre os detalhes do argumento e a trailer já apresentada é bem reveladora do esforço que tem sido feito para mantê-los em segredo. Certamente um filme obrigatório para todos os milhões de seguidores fiéis da série.
- “W.”: Uma letra apenas foi escolhida por Oliver Stone para título do seu novo filme biográfico sobre o ainda presidente dos Estados Unidos da América. No papel de George W. Bush estará um Josh Brolin irreconhecível após um espantoso trabalho de caracterização de que os media já têm feito eco. A acompanhá-lo vão estar James Cromwell, Ellen Burstyn e Jeffrey Wright, trazendo para a tela algumas das figuras centrais da política americana dos últimos 25 anos. Este promete ser o regresso do Oliver Stone polémico, o mesmo que nos trouxe os magistrais “JFK” e “Nixon”, registo em que de facto atingiu o topo da sua arte.
- “The Day the Earth Stood Still”: O filme original de 1951, realizado por Robert Wise, é um clássico do cinema de ficção-científica, produto dos medos e paranóias nucleares da guerra fria. Este remake será um enorme desafio para Scott Derrickson, conhecido essencialmente pelo interessante “O Exorcismo de Emily Rose”, na expectativa de vermos como vai adaptar à realidade actual esta história de um visitante alienígena e do seu omnipotente parceiro robótico, que vêm à Terra alertar a humanidade para o perigo de auto-destruição. Confirmados como protagonistas estão já Keanu Reeves e Jennifer Connely, bons talentos para um filme que poderá ser uma das surpresas do ano.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Indiana Jones e o Reino das Cabeças Ocas

Estreou finalmente um dos filmes mais aguardados dos últimos anos, o novo episódio de uma saga mítica. Mítica pelo seu colossal sucesso junto do público, mas também pelo elevado nível de qualidade que a colocou no topo do cinema de aventuras. No seu melhor momento, com "Salteadores da Arca Perdida", Steven Spielberg revelou-se como um realizador com o talento raro para combinar a acção mais espectacular (e inacreditável) com uma narrativa sólida, feita de grandes personagens e diálogos que homenageavam a época de ouro do cinema de Hollywood. Foi por tudo isto que me tornei num fã de Indiana Jones e foi carregado dessa emoção e expectativa que entrei na sala de cinema para assistir a este novo filme.
No final, fazendo um balanço sincero, percebe-se que nada correu bem e que talvez melhor seria se nos tivessemos ficado por uma trilogia. Sendo curto e directo, desde um argumento perfeitamente risível e incompetente, que demonstra total despeito pelos capítulos anteriores da saga, passando por uma realização amorfa, bem longe do que Spielberg nos habituou, este "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" salda-se num rotundo fracasso. Harrison Ford esforça-se por fazer o melhor que pode com as paupérrimas frases que lhe deram, mostrando contudo que ainda tem fulgor suficiente para interpretar a personagem que imortalizou. Cate Blanchett fica na memória como exemplo de uma grande actriz num papel hediondo. Se quiserem uma boa femme fatale é melhor relembrarem a Dra. Elsa Schneider (excelentemente interpretada por Alison Doody) de "Indiana Jones e a Grande Cruzada". Como companheiro de aventuras Indy tem o "wild one" Shia LaBeouf, cuja personagem Mutt acaba por ser o menos mau do filme, e o escorregadio Mac (Ray Winstone), que constará como mais uma referência a reter no campo das personagens para esquecer. Surgem ainda a saudosa Marion Ravenwood e o recém-integrado Dr. Harold Oxley, interpretados respectivamente por por Karen Allen e John Hurt, cujas passagens pelo filme oscilam entre o desnecessário da primeira e o ridículo do segundo.
Digno de menção é também o excesso no recurso aos efeitos especiais digitais, que contribuem de forma decisiva para despir cenas fulcrais de qualquer autenticidade (a longa sequência de perseguição na selva aproxima-se mais ao mundo dos videojogos que ao do cinema). Até no capítulo da música o mestre John Williams pareceu desinspirado, repetindo variações sobre alguns dos temas que marcaram os filmes anteriores, faltando a vibrante originalidade que é imagem de marca deste compositor. Em suma, todo este "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" é fracasso, apresentando-se como uma sofrível soma de escabrosas e despropositadas sequências de acção, sem um fio condutor que as una eficientemente, sem um esgar dos maravilhosos diálogos que nos arrancavam sorrisos, nem sequer uma sombra do fascinante mistério que nos colava à cadeira. Não se interprete este texto como um manifesto saudosista, mas sim como uma exaltação daquilo que caracterizou uma saga e que agora parece ter sido posto de lado em função de critérios estéticos e narrativos duvidosos. É verdade que os anos passaram, que o cinema mudou e com ele os seus espectadores. Pena é que a mudança tenha sido para pior, pelo menos para o nosso Indiana Jones.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Via Dolorosa

Recentemente foi transmitido na RTP 2 um excelente documentário sobre os tristes eventos ocorridos na prisão de Abu Ghraib, onde soldados norte-americanos torturaram cidadãos iraquianos, muitos deles inocentes. As fotografias e vídeos humilhantes que correram o mundo relembraram-nos que, independentemente da época ou do conflito em questão, a espada de Damócles do desrespeito dos direitos humanos pende sempre sobre a cabeça daqueles directamente envolvidos num acto de agressão. Como se afirmava nesse portento artístico que é “A lista de Schindler”, de Steven Spielberg, a guerra traz sempre ao de cima o pior que há em nós. No seio do caos bélico, o Homem está submerso na loucura da destruição mútua que cobra as suas vítimas visíveis no campo de batalha, mas também muitas invisíveis cuja psique fica para sempre afectada.
É sobre tudo isto que “No vale de Elah” se debruça de forma aterradora, numa incursão nos abismos da alma e das relações familiares, nas verdades escondidas e palavras nunca ditas. Baseando-se na história real de um soldado que foi assassinado em 2003 depois de regressar do Iraque, Paul Haggis compôs um drama de guerra visto na perspectiva de um pai atormentado (Tommy Lee Jones) que procura a verdade sobre o desaparecimento e morte do seu filho. A viagem que aí se inicia leva-o até ao coração das angústias desta América do século XXI, no frágil equilíbrio entre o respeito pelos poderes do governo federal e a enorme dúvida que emana de um conflito mal justificado junto da opinião pública e, principalmente, dos soldados na frente de combate. Como único aliado terá apenas uma agente policial (interpretação sólida de Charlize Theron), uma mulher que enfrenta diariamente as pressões misóginas dos seus colegas numa esquadra de província e que trabalha aqui no caso mais importante da sua carreira. Revelar mais sobre a história do filme seria destrutivo. A narrativa está construída de forma hábil para nos conduzir de revelação em revelação, permitindo-nos compartilhar a mudança gradual na perspectiva que o personagem central tem do seu filho e, por extensão, do seu país.

Haggis é um dos argumentistas mais respeitados de Hollywood e logo na sua primeira experiência como realizador, com ”Colisão”, conquistou o Óscar de melhor filme. O seu talento sai confirmado neste filme, que dirige de forma confiante e eficiente, sem grandes artifícios visuais, cingindo-se sempre ao essencial do guião do qual também é autor, afirmando-se como um dos grandes pintores da paisagem psicológica e social da América contemporânea.
Tommy Lee Jones, por seu turno, confere à sua personagem uma autenticidade fenomenal, expressa em momentos chave do filme. A forma metódica como faz a sua cama de hotel, o modo acanhado como lida com uma empregada de bar de alterne ou o momento em que, ao passar perto de uma escola, chama a atenção de um salvadorenho que distraidamente içou a bandeira americana ao contrário, tudo apontando para uma personalidade retraída, controlada, fruto de uma vida militar. Idiossincrasias de um verdadeiro patriota, cuja dedicação é posta à prova quando confrontado com a rigidez burocrática dos investigadores oficiais, deparando-se com a realidade turva dos acontecimentos que rodearam a presença do seu filho no Iraque e com a mente perturbada dos membros daquele batalhão recém-regressado.
Vêm à tona as dolorosas memórias da guerra do Vietname, numa época conturbada da história dos EUA em que a sociedade nunca compreendeu o real significado dum conflito tão distante no espaço e também na forma desinteressada, repulsiva até, com que os soldados eram tratados no seu regresso. Um fantasma que ecoa nesta nova guerra, uma ferida aberta onde "No Vale de Elah" põe o dedo de forma precisa, expandindo a sua significância muito para além do género dramático ou policial (onde cumpre perfeitamente a sua função) e estabelecendo-se nessa rara categoria de filme-mensagem, politicamente comprometido com certeza, mas revelando essencialmente uma preocupação sincera com o estado da nação. Num glorioso momento final Tommy Lee Jones leva a bandeira americana desgastada que o seu filho lhe enviou do Iraque e iça-a de cabeça para baixo naquele mesmo mastro junto à escola. Como explica, isso representa um sinal internacional para pedido de auxílio em tempos difíceis. Neste maravilhoso filme é um metafórico pranto de ajuda por um país que parece já não saber cuidar dos seus filhos.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

"A bastard from a basket"

Ao sair da sala de cinema depois de ver "Haverá sangue" somos invadidos por uma enorme sensação de felicidade. Não por estarmos perante um filme alegre, longe disso aliás, mas porque assistimos ao renascimento da nossa confiança na arte cinematográfica, constatando que depois de mais de cem anos ainda há muito território criativo por explorar. E aqui Paul Thomas Anderson teve o talento de "perfurar" no terreno certo, criando a sua melhor obra até ao momento.
Aqueles primeiros minutos de filme quase totalmente mudos, onde partilhamos o esforço e ambição desmesuradas de Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis) no fundo de um buraco na imensidão inóspita das badlands americanas, trazem à memória não só uma época histórica distante, mas também uma forma de fazer cinema que nos parece agora longínqua. “Haverá sangue” é assim um filme clássico no melhor sentido do termo, recapturando o sabor aventureiro e duro do western (“O tesouro de Sierra Madre”, de John Huston, será certamente uma referência), sem contudo negar a sua contemporaneidade ao lançar um olhar simultaneamente contemplativo, exaltando o empreendedorismo de um homem nos EUA do início do século XX, e crítico, pela forma mordaz como aponta os efeitos nefastos da ambição.
Dólares, muitos dólares, e religião, os dois motores da história americana são também os fulcros deste colossal épico que assenta, quase totalmente, numa interpretação espectacular de Daniel Day-Lewis. Ele incarna a face do individualismo e da omnipresente aversão ao insucesso, num país obcecado pela riqueza na era da corrida ao petróleo. Numa magistral sequência, Plainview confessa ao seu irmão que sonha estar sozinho, longe da sociedade, revelando que detesta todo e qualquer ser humano. A sua convivência com o mundo é assim difícil, tal como a relação de conveniência que tem com o seu filho, mascote propagandística que transporta consigo para o ajudar a quebrar o gelo nas compras de terrenos para exploração.

A outra face da moeda é Eli Sunday (interpretação excepcional de Paul Dano), jovem líder da “Igreja da Terceira Revelação”, arquétipo de tantas religiões apocalípticas nascidas na América e que nos remetem para a realidade das frustrações das comunidades do oeste, subjugadas à dureza do terreno e do clima. A fé é o escape e Eli é um hábil manipulador das incertezas do seu povo, organizando histriónicas missas com milagres de encher o olho. O homem da fé, Eli, e o homem do dinheiro, Daniel, são no fundo dois seres movidos pela ambição e por isso as suas personalidades competitivas entram em choque constante.
O talento de Paul Thomas Anderson, já vislumbrado em obras anteriores como “Magnólia”, atinge aqui o seu ápex estético, expresso na fluidez dos movimentos de câmara (fantásticos planos sequência) e na sábia utilização da escala de planos, que realça a imensidão da paisagem na bela tradição de filmes como “Dias do paraíso”, do incontornável Terrence Malick, e “O gigante”, de George Stevens também ele ambientado no mundo da exploração petrolífera. Toda a gestão do tempo narrativo é fenomenal, deixando o espectador explorar aquela conturbada época histórica, mas essencialmente o turbilhão psicológico de Daniel Plainview. Como suporte essencial para “Haverá sangue” realça-se também a banda sonora original de Jonny Greenwood, mais conhecido como guitarrista dos Radiohead, que assina aqui uma composição emocionalmente reveladora. Utilizando exclusivamente instrumentos orquestrais, cria uma atmosfera oprimente com temas onde predominam as cordas, ora eleigíacas, ora enveredando por sonoridades atonais de influência Bartokiana (a suite “O mandarim maravilhoso” vem-nos à memória pela forma como emula, a espaços, os sons de máquinas em movimento constante). Uma banda sonora de excepção complementada por temas de Arvo Pärt (“Fratres”) e de Johannes Brahms (o belíssimo terceiro movimento do “Concerto para Violino”).
Num momento em que tantos temem pela vitalidade artística do cinema, “Haverá sangue” estabelece-se imediatamente como uma obra-prima, relembrando que há todo um grupo fenomenal de realizadores que ainda têm espaço para criar filmes de excepção, principalmente podendo contar com um talento como o Daniel Day-Lewis. Ele que, para quem se tivesse esquecido, é de facto um dos maiores intérpretes de sempre.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Mark Pellington - Tapeçaria de sombras

Depois de muitas semanas de ausência (pelas quais peço desde já desculpa) e continuando na senda de realizadores esquecidos, surge a ocasião para uma justa referência à para já curta mas intensa obra de Mark Pellington. À semelhança de inúmeros autores da sua geração, este norte-americano iniciou-se no mundo dos videoclips na década de 90, trabalhando com grupos como os Pearl Jam, U2 ou INXS. A partir de 1995 lançou-se no mundo da televisão com a aclamada série documental "United States of Poetry", dividida em seis episódios temáticos sobre a poesia contemporânea dos EUA e as suas extensões literárias e musicais. Dois anos mais tarde experimenta o cinema com "Going all the way", um drama discreto onde teve oportunidade de dirigir Ben Affleck e Rachel Weisz, e com "Destination Anywhere", uma narrativa elaborada em redor de algumas das músicas de Jon Bon Jovi para o álbum com o mesmo título. Mencione-se que, também em 1997, Pellington dirigiu alguns episódios da excelente série de TV "Homicide - Life on the Street", reconhecida pela autenticidade na representação do trabalho da brigada de homicídios de Baltimore.
Regressa ao grande ecrã com "O Suspeito da Rua Arlington" (Arlington Road, 1999), fabuloso thriller psicológico que, infelizmente, não conquistou grande atenção por parte do público e da crítica, mas que é um dos maiores exemplos do género produzidos na última década. Um professor universitário (Jeff Bridges) retira-se com o seu filho de nove anos num subúrbio de Washington depois da sua mulher, uma agente do FBI, ter morrido durante o cerco à propriedade de um grupo de extrema-direita. Traumatizado com a sua tragédia pessoal, concentra-se nas suas aulas sobre o terrorismo na história americana. Depois de salvar um rapaz que encontra ferido na rua, acaba por criar uma relação de amizade com os pais dele (Tim Robbins e Joan Cusack), que descobre serem seus vizinhos. Conforme ganha confiança com eles, começam a surgir dúvidas sobre a veracidade das suas vidas aparentemente perfeitas. As investigações que faz levam-no a crer que os seus vizinhos podem fazer parte de um grupo extremista que esteve envolvido num devastador ataque à bomba em Saint Louis, numa espiral de obsessão e conspiração que o levarão a um final chocante. O término do filme, pela enorme surpresa que traz, acabou também por ser uma das razões do seu insucesso junto das audiências. Para o nosso mundo pós-11 de Setembro, os temas de “O Suspeito da Rua Arlington” são mais actuais que nunca. Mark Pellington mostra com este filme o seu enorme talento como realizador, exímio na gestão do suspense e na cuidada cadência das revelações surpreendentes que mantêm a narrativa viva. As actuações de Jeff Bridges (perfeito no papel de um homem perturbado) e Tim Robbins (assustador na sua ambivalência) conferem autenticidade ao sentimento de tensão que percorre a história, magistralmente sublinhada pela banda sonora criada a meias pelo experiente Angelo Badalamenti e pelos Tomandandy. Quem conhecer um pouco da história moderna norte-americana, vai certamente notar os paralelos com eventos reais: o incidente de Ruby Ridge, no qual se baseia a morte da mulher de Bridges no filme, e o ataque bombista de Oklahoma, transportado aqui para Saint Louis. A título de curiosidade, refira-se que o genérico do filme foi criado pelo genial Kyle Cooper, responsável por algumas das melhores sequências introdutórias da história recente do cinema (“Seven”, “A Esfera” e o videojogo “Metal Gear Solid 3”, por exemplo).




Trailer do filme "A Profecia das Sombras" (The Mothman Prophecies, 2002).


A sua terceira longa-metragem seria o fenomenal “A Profecia das Sombras “ (The Mothman Prophecies, 2002), inspirado no seminal livro homónimo de John Keel (para mais informações sobre este livro consultem este excelente site, em inglês, criado pelo meu irmão http://bf.web.simplesnet.pt/mothman). Concentrando-se nas histórias pessoais dum grupo restrito de personagens (grande parte dos acontecimentos relatados no livro foram, compreensivelmente, esquecidos) Mark Pellington apresenta aqui o seu melhor trabalho até ao momento, um drama sobrenatural sublime onde as fronteiras da realidade se esbatem e acontecimentos bizarros invadem a existência de pessoas comuns. Este factor realça o impacto emocional de toda a narrativa, explanada num ritmo lento, feito de silêncios incómodos, de uma tensão quase palpável e do confronto eterno, em surdina, entre os terrores da vida e da morte.
Richard Gere (John Klein), numa das suas melhores interpretações de sempre, traz-nos uma personagem emocionalmente ferida após o inesperado falecimento da sua noiva. Nos últimos momentos de vida, deixa-lhe um caderno com misteriosos esboços de uma criatura que viu no momento em que ambos se viram envolvidos num despiste de automóvel. Dois anos depois, o jornal onde trabalha envia-o a Richmond, na Virgínia, para entrevistar um político. Durante a viagem perde-se e vai parar, inexplicavelmente, a Point Pleasant, cidade situada a cinco horas de distância do local onde deveria estar. Depara-se com uma comunidade pacata e aterrorizada por estranhos eventos, desde luzes e chamadas telefónicas estranhas, a avistamentos de uma criatura alada (o “Mothman” do título), que descobre ser semelhante à que a sua noiva desenhou. Depressa percebe que estes eventos paranormais giram em redor de Indrid Cold, uma bizarra figura com aparentes poderes proféticos, cuja aparição está associada a grandes catástrofes vindouras. Obcecado com a busca da verdade, Klein vê-se numa encruzilhada de fantasmas pessoais e acontecimentos sobrenaturais que o parecem perseguir e que culminarão num final dramático. Para criar esta atmosfera oprimente, Pellington preferiu recorrer a poucos efeitos digitais, utilizando a câmara (através de desfocagens), a iluminação (observem-se cuidadosamente as sequências com Gere no quarto de motel) e a montagem como principais armas. Perfeita também a banda sonora dos Tomandandy, um trabalho pleno de originalidade, feito de longínquos uivos e sussurros, pungentes notas de piano e obscuras batidas electrónicas, acompanhadas amiúde pelo dramatismo das cordas. Um conjunto cinematográfico excepcional, num dos grandes exemplos do que o terror contemporâneo pode (e deve) oferecer.



Videoclip de "Everybody's Changing" (2005) dos Keane que acabou por nunca ser oficialmente divulgado ,supostamente pelo grupo achar que não se adaptava à temática da música.


A carreira de Mark Pellington seria interrompida pela trágica morte da sua mulher aos 42 anos, depois de doença prolongada. Ainda profundamente afectado, realizou em 2005 alguns episódios para a série “Casos Arquivados” (Cold Case, transmitida em Portugal pela RTP 2) e voltou aos videoclips, dos quais destacamos “Everybody’s Changing”, onde prestou homenagem à sua esposa (ver vídeo acima), mas que os Keane iriam recusar, optando por filmar um novo clip. Interessante também o seu videoclip de 2007 “Soul Mate”, de Natasha Bedingfield, que surge aqui apresentado como exemplo da estética deste realizador.
Para o futuro existem já alguns filmes anunciados, como “Henry Poole is Here”, uma comédia negra com Luke Wilson com lançamento planeado para este ano, e ainda “Night and Day You are the One”, thriller sobrenatural sobre um homem que não consegue distinguir os sonhos da realidade depois de assistir a um horrível assassinato. Projectos interessantes para acompanhar a evolução da carreira deste realizador que é já um talento confirmado e cuja obra merece um visionamento cuidado.



Videoclip de "Soul Mate" (2007) de Natasha Bedingfield. Notem-se as
enormes semelhanças estéticas com "A Profecia das Sombras".